A Cisão Maçônica de 1927

HISTÓRIA DA CISÃO DE 1927 – SAIBA DETALHES
 

Enquanto o ambiente político nacional estava agitado, no inicio da década de 20, diante da nova eleição presidencial e

dos episódios que, supostamente, envolviam o candidato Arthur Bernardes, a situação do Grande Oriente do Brasil também não era tranquila, pois iniciava a década com uma nova cisão, provocada por uma eleição fraudulenta. Com a morte, a 28 de janeiro de 1921, do Grão-mestre Adjunto Luiz Soares Horta Barbosa, realizaram-se novas eleições, a 25 de abril daquele ano, para o preenchimento do cargo vago, quando se apresentaram duas candidaturas: a de Mário Marinho de Carvalho Behring e a do general José Maria Moreira Guimarães. Com o apoio de São Paulo, o general Moreira Guimarães obteve a maioria dos votos (2.770 contra 2.124 dados a Behring). Manipulando, todavia, os dados, a junta apuradora anulou votos de ambos os lados, mas principalmente os do general, de tal maneira que Mário Behring acabaria sendo eleito com 1.410 votos.

Os elementos que ambicionavam o Grão-mestrado, estavam ligados ao Ministério da Justiça, então ocupado pelo Ir. João Luiz Alves, partidário da soma de forças maçônicas, pelo menos aparentemente, em torno do novo Presidente da República, cujo governo se iniciava. Numa antiga biografia do Ir. Everardo Dias - jornalista, escritor e líder de movimentos operários em São Paulo, nas décadas de 10 e 20 - o autor (desconhecido) e testemunha da Editoria, afirma:

"Foi, então, elevado ao Grão-mestrado Geral da Ordem, Mário Behring, figura medíocre na Ordem, mas insinuante em conquistar posições, substituindo o general Cavalcante: Sendo amanuense da Biblioteca Nacional, conseguiu com o ministro João Luiz Alves, a aposentadoria do diretor da Biblioteca e sua nomeação, pelo presidente, para esse cargo importante e bem remunerado, prejudicando outros funcionários mais antigos e capacitados".

Tendo ocorrido, nesse mesmo ano, o centenário do GOB, precedendo, de pouco, o centenário da independência, não houve, estranhamente, nenhuma festividade - houve, apenas, cunhagem de medalhas - embora já tivesse sido nomeada, em 1916, uma "comissão de festejos" do centenário e embora, para esse fim, tivesse sido aumentada a capacidade do Templo Nobre do Lavradio, com a construção de duas galerias laterais, que proporcionavam lugar a mais cento e vinte pessoas.

No ano de 1924, o Grão-mestre Mário Behring comprometia o patrimônio do GOB, ao hipotecar o Palácio do Lavradio, para obter um empréstimo de 300:000$000 (trezentos contos de réis), com que pretendia construir um orfanato maçônico em terreno no Méier, no Rio de Janeiro, pertencente à Associação Mantenedora do Asilo Henri­que Valadares, constituída a 9 de janeiro de 1904, sob os auspícios do GOB e aprovada pela Assembléia Geral, a 22 de setembro de 1904. Embora o GOB não fosse dono do terreno, o Grão-mestre lançou a pedra fundamental do orfanato a 16 de março do 1924; por desentendimentos com o construtor, com a obra quase pronta, em junho de 1925, o projeto inicial acabou sendo abandonado e o edifício teve diversas destinações, principalmente não maçônicas, convertendo-se numa dor de cabeça constante - pela irregularidade inicial - a qual duraria muitos anos, até à sua desapropriação, cerca de cinqüenta anos depois de construído.

Behring estava licenciado desde 21 de maio, mas reassumiu a 21 de junho, diante da celeuma provocada em torno da eleição para o Grão-mestrado, ocorrida a 20 de maio. Ocorre que Behring venceu Pedro Cunha, mas houve fraude, pois, das 315 Lojas, só 176 participaram da eleição e só 16 mostraram mapas eleitorais corretos assim, a As­sembléia Geral, em Sessão extraordinária de 5 de junho admitia a vitória de Pedro Cunha. Diante do impasse, em nova Sessão, no dia 8 de junho, os três candidatos propõem, à Soberana Assembléia, a anulação do ato e a convo­cação de nova eleição. Behring, vendo sua reeleição em perigo, retornou, então, no dia 23, dissolvendo o Conselho Geral da Ordem. No dia 13 de julho, perante a Soberana Assembléia, ele renunciava ao cargo, diante das provas contundentes de manipulação da eleição. Assumiria, então, como Grão-mestre Interino, o Adj. Ir. Bernardino de Almeida Senna Cam­pos, amigo e seguidor de Behring.

Em Sessão especial da Assembléia Geral, a 21 de dezembro de 1925, para apuração da nova eleição das GGr. Dignidades, realizada de 31 de agosto e 6 de setembro, nos termos do decreto n.° 815, de 9 de junho, eram proclamados e reconhecidos os mais votados IIr. Vicente Saraiva de Carvalho Neiva, para o cargo de Grão-Mestre e João Severiano da Fonseca Hermes para o cargo de Adj. O Ir. Carvalho Neiva recebera 3.179 votos, enquanto o Behring recebia apenas 117, num real julgamento plebicitário. Apesar de renunciar ao cargo de Grão-mestre, Behring manteve o de Sob. Gr. Comend. do Supr. Cons., contrariando o disposto na lei maior do GOB a qual previa a ocupação dos dois cargos pelo Grão-mestre, já que a Obediência era mista fato que fora totalmente aceita nos Congressos Internacionais de 1907, 1912 e 1922, sem implicar qualquer dúvida em torno da regularidade de GOB. Isso foi feito com a total conivência de Senna Campos.

Nessa ocasião, Behring já começava a tramar a cisão que viria a ocorrer em 1927, pois tratara, a 11 de novembro de 1925, de registrar os estatutos de Supr. Cons. embora já houvesse um registro do GOB - como Obediência mista - englobando o Supremo Conselho, feito por ocasião da promulgação da Constituição de 1907. Esse registro de 1925, portanto, era totalmente nulo, mas serviria, posteriormente aos desígnios de Behring.

A 18 de fevereiro de 1926, falecia o Grão-mestre Vicente Neiva, assumindo o Adj. Fonseca Hermes, com quem Behring assinaria um tratado, a 17 de junho de 1926, estabelecendo que no Rito Escocês Antigo e Aceito, os Graus Simbólicos fica­riam com o GOB enquanto que os Altos Graus ficariam com o Supr. Conselho. A assinatura do tratado, por parte de Fonseca Hermes fora arbitrária, pois usara poderes que a Assembléia Geral concedera a Vicente Neiva. Por isso, a Assembléia revogou o tratado e insistiu com Fonseca Hermes, no sentido de que este o anulasse. Não concordando com a exigência e não suportando as pressões, Hermes licenciou-se do cargo, a 6 de junho de 1927, assumindo, então, o Adj., Octavio Kelly, que fora eleito para o cargo e empossado a 21 de março do mesmo ano.

A primeira iniciativa de Oc­tavio Kelly, no sentido de sanar a irregularidade, aconteceu através do decreto n. 859, de 21 de junho de 1927, que revogava, para todos os efeitos, o decreto n. 858, que Fonseca Hermes assinara a 23 de fevereiro, no sentido de transformar a Assembléia Geral em Constituinte, a ser Instalada a 24 de junho, para colocar a Constituição do GOB de acordo com o tratado celebrado com o Supr. Conselho. Behring, todavia, sabendo, antecipadamente, o que iria ocorrer, promoveu, no dia 17 de junho de 1927, fora do Lavradio - e, portanto, às escondidas - na Rua da Quitanda, n. 32, uma reunião extraordinária do Supr. Cons., que contou com a presença de apenas treze membros efetivos e declarou a sua separação do GOB, sem ter esquecido, antes, de subtrair todos os papéis e documentos dos arquivos do Supr. Cons., no Lavradio, transportando-os para a Rua da Constituição, n. 38, num flagrante delito maçônico, pois os papéis não lhe pertenciam.

Defendendo a posição do Grão-mestre, Mário Bulhões diz que a situação era corolário de tudo o que vinha se passando desde 1921 e, principalmente, a partir de 1925, quando Behring renunciou ao Grão-mestrado, mas permaneceu como Soberano Gr. Comendador, a despeito da Constituição, em seu artigo 25, pará­grafo 2°, dispor que o Grão-mestre era o Sob. Gr. Comend., outros Conselheiros também defenderam a integridade do GOB, porém, sem sucesso pois a coisa já estava consumada.

Behring, pedindo a pala­vra, refere-se às eleições procedidas no Supr. Cons. desde 1921 e que se tornou necessário votar o tratado entre o Supr. Cons. e o GOB; e, considerando que vinha pedindo a reforma da Constituição, sem êxito, o Supr. Cons. deliberara, por unanimidade - (unanimidade de apenas 13 dos 33 membros?) - denunciar, à Confe­deração Internacional do Rito, a situação, e, consequentemente, o tratado de 1926. E termina por anunciar que se desliga do Conselho Geral. Behring, entretanto, já havia programado essa cisão, criando um substrato simbólico para o seu Supr. Cons. na figura de GGr. LLoj. Estaduais. A primeira delas, a da Ba­hia, já havia sido fundada a 22 de maio de 1927, recebendo, do Supr. Cons. a Carta Constitutiva n. 21; outras duas, fundadas logo depois de de­clarada a cisão, foram: a do Rio de Janeiro e a de São Paulo.

Em sessão de 24 de junho, da Assembléia Geral, o Grão-­mestre Fonseca Hermes, que se licenciara do cargo, a 6 de junho, renuncia a ele, entregando o comando, definitivamente, a Octavio Kelly. Este, numa inflamada mensagem, aplaudida, longamente, expunha a sua posição e a situação em que os dissidentes haviam deixado o Grande Oriente do Brasil:

"Digníssimos IIr. Representantes do Povo Maçônico na Sob. Assembléia Geral.

Em obediência ao exposto no art. 39, n. 12 da Constituição em vigor, cumpro o dever de dar-vos noticia, em breve relato, da minha curta gestão administrativa e dos assuntos que, durante ela, merecem exame e atenção.

O germe da dissociação minava, fundo, o nosso organismo, de norte a sul e, mesmo no Poder Central, graves divergências mantinham em hostilidade e suspeita figuras de brilhante representação na Ordem, esquecidas dos nossos mais próximos interesses, na hora em que as paixões lhes acerbavam os espíritos. A difícil situação financeira, agravada pelo enfraquecimento das rendas do Grande Oriente, dia-a-dia ferido na sua grandeza de outrora, pela separação de Oficinas que adotavam os exageros de estranha e errônea concepção de um radicalismo impenitente, ou se insurgiam contra as exigências de sua aplicação imoderada e áspera, comprometida pelos fortes encargos que pesam sobre o nosso quase falido patrimônio, esgotado e sujeito a obrigações que sobem de trezentos e cinqüenta contos de réis (ao débito contraído por Behring com a aventura do Orfanato Maçônico), favorecera se não estimulara, a criação de dissídios a que, de começo, me referi, para conjugar-se numa marcha macabra, com aspectos dissolventes da nossa antiga unidade e dos nossos velhos propósitos de harmonia e solidariedade, de progresso e de paz. [...] Aos que me inquiriam das pro­videncias inadiáveis e medindo a extensão da minha responsabilidade, entendi, então, deveria francamente responder-lhes com a bandeira do respeito à Constituição. Se, dentro dela, a ordem não poderia alcançar sua finalidade e seus altos desígnios, a solução seria não desobedecer-lhe, mas corrigi-la, infiltrando-lhe nos textos os meios de remover as dificuldades prementes. Enquanto tal se não fizesse, o dever elementar de todos os corpos, sujeitos à superintendência da sua autoridade e dos seus poderes expressos, seria o de segui-la sob a fé dos seus juramentos e a de res­peitá-la, para honra de seus compromissos.

Nesse impasse tormentoso, de queda em queda, como se um cataclismo pudesse envolver-nos a nós todos, o ambiente exigiu do espírito altamente conciliador do nosso II. e Pod. Gr. Mestre uma solução provisória da contenção ao movimento inicial que tinha por alvo o reconhecimento da independência do Supremo Conselho do Rito Escocês e, com o vosso referendum, firmou-se o tratado de 22 de outubro de 1926 - convenção de que não cogita a Constituição de 1907 – e que com esta colidia, subtraindo esse Alto Corpo Litúrgico aos deveres de subordinação administrativa ao Grande Oriente do Brasil [...] Devo, ainda, informar-vos que, em Sessão de 20 do corrente mês, tendo alguns PPod. membros do Supr. Cons. do Rito Esc., também componentes do Cons. Ger. da Ord. declarado que aquele Alto Corpo Litúrgico deixava de pertencer à Confederação Maçônica que tinha como órgão diretor o Gr. Or. do Brasil, e, por isso, renunciado a seus cargos, nomeei, usando da atribuição conferida pelo art. 53 do Reg. Ger. da Ord., para substituí-los, os PPod. e incansáveis Obreiros Francisco Prado e Agenor Augusto da Silva Moreira, para exercerem, interinamente, os cargos de Gr. Sec. e Gr. Tes. da Ord., e os dedicados IIr. Pedro da Cunha, Di­dono Agapito Fernandes da Veiga, Abel Waldeck, Carlos Castrioro Pinheiro e Anibal Medina Coeli Ribeiro, para completarem as vagas deixadas no Cons. Ger. pelos resignatários.

Nesse propósito e para cumprir as leis maçônicas, aqui me encontrareis, IIr. RRepres., sem tibieza nem tergiversações, sereno e decidido, disposto a dar à Ordem o maximo das minhas energias e a mais abundante messe dos meus esforços. No relatório apresentado pelo nosso prezado amigo e Pod. Ir. Grão-mestre efetivo encontrareis os dados complementares da exposição que ora vos faço. Sois dessa têmpera e, por isso, confio nas vossas luzes, na lealdade de vossas oficinas, no vosso concurso eficiente, no honesto em­penho de ajudar-me nesse empreendimento, para que o Gr. Or. do Brasil continue a ser o pálio a cuja sombra terão que viver todos os Ritos da Maçonaria Universal, conjugados, fundidos e irmanados no desejo since­ro de cultuar a Virtude ao serviço da Família, da Pátria e da Humanidade.

Octávio Kelly 33. - Gr. Mestre em exercício".

Sem os documentas básicos do Supr. Cons., subtraídos por Behring, só a muito custo Octávio Kelly conseguiu reerguê-lo, no início de agosto de 1927. Para isso, a 18 de julho, pelo decreto n. 866 A, isentava do pagamento dos metais devido os Obreiros que eram Investidos no 33° Grau, para a reconstituição do Supr. Cons., diante das defecções havidas; isentava, também, os que fossem eleitos para funções que exigissem a colação nos mais Altos Graus dos diversos Ritos. No mesmo dia, ocorria uma Assembléia Ordinária do Supr. Cons., com a presença dos Membros Efetivos Octavio Kelly, Virgilio Antonino de Carvalho, João Severiano da Fon­seca Hermes, Ticiano Corregio Doemon, Cantidiano Gomes da Rosa e João de Sousa Laurindo; nes­sa ocasião, Octavio Kelly explica o motivo da reunião: a reconstituição do Supr. Cons.. A presença desses membros efetivos mostra que não houve defecção unânime e que, portanto, o legitimo Supr. Cons. permaneceu, nas pessoas desses membros. A 01 de agosto, com a eleição de novos membros efetivos, para os lugares deixados vagos pelos dissidentes, era reconstituído o Supremo Conselho. Finalmente, por ato de n. 864, de 13 de agosto de 1927, o Grão-mestre suspendia os direitos maçônicos de Mário Behring, Amaro Arthur Albuquerque e Amélio Dias de Moraes.

Todavia, em 1929, Mario Behring se adiantaria e conseguiria que a 4a. Conferência Internacional de Supremos Conselhos, em Paris, impusesse, internacionalmente, a regularidade de seu Supremo Conselho dissidente. A 3 de agosto, o Supremo Conselho de Behring lançava um Manifesto às Oficinas Escocesas do Brasil e o Decreto n° 7 - que se tornaria famoso pela inusitada pretensão - que declarava, oficialmente, o GOB como Potência irregular no seio da Maçonaria Universal. O inusitado, no caso, é uma Obediência de Altos Graus de um Rito declarar irregular uma Obediência Simbólica. Apesar disso, Behring e seus seguidores não deixaram de cortejar a Grande Loja Unida da Inglaterra, no sentido de obter, dela, o reconhecimento para as suas Grandes Lojas, vendo, todavia, frustrados os seus intentos, em 1935, quando a Grande Loja Unida da Inglaterra assinou tratado de Aliança Fraternal com o GOB, o que é, na Maçonaria atual, o maior atestado de regularidade, pois afirma representar “uma intima e indissolúvel aliança entre as duas Potências.”

Há dois detalhes que impressionam, nesse episódio da cisão: a cisão do Supremo Conselho, operado por Mário Behring, se deu no dia 17 de junho. Não foi, porém, realizado em SESSÃO regular no edifício do Lavradio e sim em uma REUNIÃO extraordinária, diz a ATA, realizada fora da sede do Lavradio, num escritório particular, presentes, com Mário Behring, 13 (treze!) Soberanos Grandes Inspetores Gerais (é bom lembrar que um Supremo Conselho se compõe de 33 membros). Outro detalhe: na sessão de 3 de agosto, os mesmos treze e na sessão de eleição para os cargos do Sacro Colégio e Comissões, em 1 de setembro, Mário Behring só reuniu, contando com ele, 15 (quinze) membros. Sempre um grupo reduzido. Assim, o que houve, de fato, em 17 de junho de 1927, foi uma cisão do tradicional Conselho do Rito Escocês fundado por Montezuma em 1832, que funcionava no Palácio Maçônico do Lavradio desde 1842 (quando o Grande Oriente inaugurou o imóvel) e que formalizara em 1864 uma união com a Potência Simbólica, criando-se uma Potência Mista, como ocorria então em vários paises.

Hoje existe no Rio de Janeiro, dois Supremos Conselhos: o Supremo Conselho de Mário Behring (sediado em Jacarepaguá), que é o dissidente e o Supremo Conselho de Montezuma (sediado em São Cristóvão - GOB), que é o preexistente, e que tem a legitimidade, isto é, a autenticidade.

José Castellani

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