A articulação que permitiu tal façanha foi, supostamente, obra da Maçonaria de Salvador, composta em boa parte pelos liberais responsáveis por lançar, em 1837, a Sabinada, outra das revoltas contra o Império do Brasil entre as décadas de 1820 e 1840. Após 175 anos, a participação da Ordem na Revolução Farroupilha ainda é um tema polêmico entre os historiadores. Os céticos negam a interferência baseados no fato de que também havia maçons imperiais. A maioria dos pesquisadores, porém, reconhece a influência, mesmo que não decisiva. A própria bandeira do Rio Grande do Sul parece dar seu testemunho, carregada de símbolos da irmandade. Sem falar no herói atlético. O Venerável Mestre Bento Gonçalves dirigiu a primeira Loja Maçônica do estado, a Philantropia e Liberdade, em Porto Alegre. Seu nome de guerra na Ordem era Sucre, uma referência ao general Antonio José Sucre, líder da libertação latino-americana ao lado de Simón Bolívar, outro maçom. A fuga do Forte de São Marcelo é um dos episódios da insurreição em que a Maçonaria teve papel mais relevante. Preso em outubro de 1836, após a derrota na batalha da Fanfa, Bento Gonçalves foi trancafiado nas infectas celas da Fortaleza de Santa Cruz e depois nas do Forte da Laje, no Rio de Janeiro, de onde tentou fugir em março de 1837. Só não conseguiu porque seu companheiro de cárcere, Pedro Boticário, por gordo que era, ficou entalado nas grades da janela da cela. Cinco meses depois, o general foi transferido para o São Marcelo. Assim que chegou a Salvador, ainda no porto, recebeu a saudação de irmãos maçons e conspiradores liberais. Abatido com a viagem, teria feito pouco caso do encontro. Dias depois, porém, emitiu um pedido de ajuda à Loja local Virtude, que logo providenciou uma comissão para visitá-lo periodicamente e deu início ao plano de fuga.
Às 10 horas do dia 10 de setembro, um domingo, o general, então com 48 anos, despiu-se para o banho de mar e pôs-se a nadar - não se sabe se a regalia era fruto da sua notória capacidade de persuasão ou de influência e propinas pagas por companheiros da Ordem aos vigias. Teria iniciado o exercício nadando em voltas para distrair a vigilância, mas a dada hora distanciou-se com braçadas frenéticas até atingir um baleeiro de seis remos posicionado por seus cúmplices na baía. Dois escaleres ainda saíram atrás da embarcação, que rapidamente chegou à ilha de Itaparica. O fugitivo raspou a barba para se disfarçar e foi acolhido pelos amigos conspiradores. Em 7 de outubro, após quase um mês escondido, o presidente da República Rio-Grandense embarcou em um navio comercial carregado de farinha rumo ao sul. Aportou em Santa Catarina e cumpriu o resto do trajeto até a província vizinha a cavalo, sempre com o apoio da fraternidade.
Fraude "De todo o mito que a historiografia maçom criou, a fuga de Bento Gonçalves é o que há de mais real. Existem documentos dentro da ordem que constatam essa articulação", diz a historiadora Eliane Colussi, vice-reitora de graduação da Universidade de Passo Fundo. Especialista na Maçonaria oitocentista, ela rejeita a ideia de que a irmandade tenha influenciado decisivamente a revolução. E cita pistas falsas, como a ata da reunião da loja Philantropia e Liberdade, de 18 de setembro de 1835 (difundida na internet), que teria definido as estratégias da tomada de Porto Alegre, a ofensiva inaugural do levante. "A ata é fria", admite Peri Silveira, mestre da loja Bento Gonçalves. Pesquisador em história, mesmo como membro da irmandade, ele se recusa a definir os acontecimentos como uma "revolução maçônica". Não foi, mas também não se pode negar a participação ampla de seus representantes no lado republicano. Assim como eram maçons líderes da Independência Americana (1776), da Revolução Francesa (1789) e de tantas outras revoluções liberais. Segundo o historiador Morivalde Calvet Fagundes, autor de História da Revolução Farroupilha, a Philantropia e Liberdade foi instalada nos fundos da Sociedade Continentino, "a matriz da revolução nascente", uma agremiação em que os homens se reuniam para discutir literatura, filosofia e, claro, política. Na sede da sociedade (e da loja), as discussões liberais fervilhavam. Ganhavam corpo diante da insatisfação dos líderes locais com o modelo centralizador da regência imperial, instituída após a renúncia de dom Pedro I, em 1831. Além de gradualmente desmobilizar guarnições militares do sul, o governo central não impunha limites à entrada no Brasil do charque uruguaio e argentino, contrariando os interesses dos produtores rio-grandenses. O descontentamento com essa situação e com o presidente da província, Fernandes Braga, eram expressos na imprensa, em periódicos muitas vezes editados por maçons. A revolta estourou em 1835. Isso não significa, porém, que a Maçonaria, como instituição, tenha se posicionado do lado farroupilha. As atividades da ordem eram incipientes na região e, sobretudo, há o registro de que vários representantes do império, como o general Sebastião Barreto, o marechal Osório e o próprio duque de Caxias, entre outros, eram maçons. Até o fim da guerra, em 1845, havia nove sedes da fraternidade na província (na frente de batalha, eram montadas lojas itinerantes). Segundo Colussi, algumas simpatizavam com a causa imperialista, como a União Geral, de Rio Grande, e a União e Fraternidade, de São Leopoldo. "No passado, quando se fundava uma loja, ela já tinha uma orientação política. Hoje, a Maçonaria proíbe a discussão partidária e religiosa dentro das lojas para não criar a animosidade entre os irmãos", afirma Silveira. Foram ainda os contatos da irmandade que levaram Giuseppe Garibaldi a se aproximar de Bento Gonçalves e dos farrapos. Fugindo de uma sentença de morte na Itália, ele desembarcou no Brasil e, por meio de amigos em comum (de sua parte, carbonários exilados. Da parte do general, maçons), uniu-se aos rebeldes, embrenhou-se nas batalhas e ajudou a fundar a República Juliana, em Santa Catarina. Mais tarde, ele mesmo seria sagrado como um integrante da ordem Tradição Ao rever o grau de interferência da sociedade secreta nos acontecimentos, é preciso levar em conta que a Maçonaria costuma "se apropriar de fatos que não são dela", diz o historiador Moacyr Flores, autor de sete livros sobre a revolução. Outro que não considera seu papel determinante é o historiador José Fachel, professor da Universidade Federal de Pelotas, mas ele identifica as digitais da irmandade em eventos como a assinatura do tratado de paz entre imperiais e republicanos, em 1845. "Na anistia dos farroupilhas, visualizamos claramente acordos em função da Maçonaria. Em vez de executar os vencidos, há um processo conciliatório que se dá entre irmãos maçons." Os farrapos garantiram, por exemplo, o direito de indicar o presidente da província. E esse processo permitiu que, na Guerra do Paraguai (1864), os ex-inimigos já lutassem lado a lado. Aliás, a revolta gaúcha serviu como prova de fogo e foi fonte de um grande aprendizado militar para o Exército brasileiro (leia à esq.). A paz selada em 1845 deu sobrevida ao poder imperial e ajudou a definir o Rio Grande do Sul, enfim, como parte do Brasil. A Revolução Farroupilha seria narrada como a grande epopeia gaúcha, e seus líderes, apresentados como heróis. "Sobretudo após 1935, a história da Revolução ajuda a formar a identidade do gaúcho", diz Colussi. O surgimento do movimento tradicionalista, na década de 1940, seria uma consequência disso. Ataque surpresa - Tática de guerrilha garantiu sobrevida à insurreição Fevereiro de 1843. Sete mil homens marcham à Fronteira Oeste da província sob as ordens de Luís Alves de Lima e Silva à caça dos farrapos. Com pressa e para ganhar agilidade, o futuro duque de Caxias, em março, deixou em São Gabriel parte da bagagem, a cavalhada e 2 mil homens. Além de precipitar o confronto, o comandante queria 14 mil cavalos dos republicanos espalhados pela fronteira. Foi em vão. Os farrapos escapuliam por caminhos que dominavam e evadiram a manada da região. Caxias teve de ir ao Uruguai comprar montaria. E os inimigos aproveitaram para atacar São Gabriel, em 10 de abril. "O desastre é completo. Toda a cavalhada é recolhida pelos rebeldes", escreve Morivalde Calvet Fagundes. As táticas de guerrilha fizeram da Revolução Farroupilha o mais longo levante contra o império (1835-1845). As tropas farroupilhas estruturavam-se ou se dissolviam rapidamente e fugiam dos grandes embates. Pretendiam vencer pelo cansaço, atacando pequenos batalhões. O eficiente serviço de correio, inspirado no do conquistador mongol Gengis Khan, foi decisivo. "O correio tinha prioridade no uso dos cavalos até sobre os generais", diz o coronel Cláudio Bento, presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil. Os oficiais republicanos eram basicamente estancieiros, talhados em lutas para proteger a permeável fronteira local. Em 1839, os rebeldes tinham 6903 membros de cavalaria, 2247 de infantaria e 222 de artilharia. No início, os imperiais lutavam principalmente a pé. Para Bento, foi com base no comando de Caxias, em 1842, que o governo apostou na cavalaria e descobriu a chave para sufocar os revoltosos. Sebastião Ribeiro | 04/04/2012 (http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/influencia-maconaria-revolucao-farroupilha-681217.shtml) A relação entre Revolução Farroupilha e Maçonaria A Revolução Farroupilha é considerada um dos episódios mais importantes e simbólicos da história política e cultural do Rio Grande do Sul. Entre os aspectos que frequentemente justificam a sua grandeza está a vinculação com a construção da identidade regional. Os diversos episódios em torno da revolução sustentam as teses, com algumas variações, das diferenças de “ser gaúcho”. Porém, a temática “farroupilha” somente passou a ser foco de estudos mais aprofundados e sistemáticos nas primeiras décadas do século XX. As comemorações do “Centenário da Revolução”, em 1935, inauguraram a entrada da Guerra dos Farrapos no discurso historiográfico e na própria história do Rio Grande do Sul1. Os aspectos mais relevantes na descrição e na interpretação da revolução residem na centralidade do descontentamento de setores da elite socioeconômica sul-riograndense com a política centralista imperial. Nesse sentido, pretendo propor algumas reflexões que possam contribuir para o debate sobre o papel da revolução na história do Brasil meridional. A abordagem principal focaliza os farrapos e a provável influência da Maçonaria no decorrer da guerra. Antecipo meu posicionamento a propósito da questão: tal influência não foi fundamental e nem decisiva. Contudo, frente à complexidade da realidade social do Rio Grande do Sul no contexto, a Maçonaria esteve presente e, em alguma medida, contribuiu para os resultados daquele movimento político histórico. Considero relevante que não se perca de vista, ao analisar o quadro histórico do Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século XIX, as suas peculiaridades em comparação ao resto do Brasil. Na conjuntura em que eclodiram os movimentos de contestação ao colonialismo, a Província de São Pedro cumpriu, na minha opinião, um papel coadjuvante. Tal situação não poderia ser diferente, pois a tardia incorporação ao território brasileiro e sua localização de fronteira projetou, em muitos aspectos, uma condição periférica. Os protagonistas do movimento emancipacionista, com forte influência das ideias iluministas e liberais das correntes francesas, residiam ou atuavam próximos aos centros econômicos e políticos de maior envergadura. O processo que culminou com a independência do Brasil teve, evidentemente, a adesão, mesmo que tardia, também da elite política e intelectual sulriograndense. O movimento maçônico, que crescera juntamente com a difusão dessas ideias, chegou ao Rio Grande do Sul três décadas depois que nas regiões centrais do Brasil. A Maçonaria, a Revolução Farroupilha e as narrativas historiográfica A historiografia sul-riograndense dedicou pouco espaço ao estudo sobre a presença da ordem maçônica na história do Rio Grande do Sul. Sobre as narrativas historiográficas vinculadas ao tema, recorri a um trabalho já realizado anteriormente e específico sobre a Maçonaria no Rio Grande do Sul. No referido trabalho, utiliza-se uma classificação das narrativas historiográficas a partir da análise de dois grupos de autores: a historiografia não acadêmica e a historiografia acadêmica. 3 2 Neste texto, darei ênfase apenas às questões envolvendo a Maçonaria e a Revolução Farroupilha. A Maçonaria frequentemente é mencionada por historiadores não acadêmicos, que quase sempre abordam a temática valorizando, de forma exagerada, a participação maçônica nos acontecimentos relativos à Revolução Farroupilha. É comum que se explique o espírito associativo, as academias e sociedades literárias como tendo sido o berço da Maçonaria no Rio Grande do Sul. Na década de 1830, a elite intelectual gaúcha aderiu mais intensamente e quantitativamente ao pensamento iluminista e liberal, especialmente de origem francesa. Mesmo que alguns autores acreditem haver indícios da existência de atividades maçônicas na província antes da década de 1830, não há, até o momento, comprovação documental dessas atividades. Com base nessa constatação, é possível relacionar Revolução Farroupilha e movimento maçônico pois eles são, no mínimo, concomitantes e conectados no campo das ideias. Em termos da abordagem encontrada entre historiadores não acadêmicos, destaca-se o trabalho de João Pinto da Silva. Ao tratar do ambiente intelectual do Rio Grande do Sul às vésperas da Revolução Farroupilha, o autor explica a difusão das sociedades e clubes literários e secretos como fundamentais na vida política e cultural da província. As dificuldades econômicas enfrentadas pelo Rio Grande do Sul em razão de sua condição periférica, e de economia voltada para o mercado interno, teriam estimulado a resistência às políticas do poder central. Tal situação coincidia com um ambiente cultural propício à difusão de associações de “lojas misteriosas”. Entre as sociedades secretas, a de maior destaque, na perspectiva da organização maçônica, foi o gabinete de leitura “O Continentino”, instalado na cidade de Porto Alegre.5 Na visão da maioria dos autores desse grupo historiográfico, o clima de radicalização política que opunha “caramurus” e “liberais nativistas” havia sido, em muito, intensificado pela ação dos maçons gaúchos. A maior parte dos liberais gaúchos assumira a opção farroupilha em razão dos privilégios centralizadores do Império brasileiro, que desenvolvia uma política econômica vinculada à provável influência da instituição no campo cultural, isto é, na difusão do ideário que mais tarde seria assumido discursivamente pelos líderes farroupilhas. Um episódio extremamente valorizado por historiadores desse grupo, e que confirmaria a relação entre Maçonaria e farrapos é o da fuga de Bento Gonçalves do presídio na Bahia. Walter Spalding dedicou um capítulo de seu trabalho à descrição desse episódio e aos detalhes da articulação maçônica que teria permitido a libertação do líder Bento Gonçalves.7 Bento Gonçalves foi aprisionado em 1836 e enviado, inicialmente, para o presídio Fortaleza da Lage, no Rio de Janeiro. Pouco tempo depois, foi transferido para o Forte de São Marcelo, na Bahia. Interessante em relação ao episódio da fuga do líder farroupilha é a menção que se fez da existência de uma trama maçônica com a finalidade de libertar Bento Gonçalves. Segundo alguns autores, a intervenção maçônica se efetivou a partir do momento em que Bento foi identificado como “irmão”. Com efeito, não se pode deixar de considerar o fato de que, efetivamente e de forma surpreendente, Bento Gonçalves retornou ao Rio Grande do Sul em setembro de 1837. Se tal complô se deveu à ação de maçons ou de liberais simpáticos aos farrapos é, ainda, uma questão em aberto. Entre os historiadores não acadêmicos encontram-se, também as obras publicadas por historiadores maçons. Essas narrativas são as que mais divulgaram a ideia de que a Maçonaria foi fundamental para a eclosão e para o desenrolar da Guerra dos Farrapos. Deve-se considerar que, quantitativamente, o grupo não produziu um grande número de obras. Entretanto, deve-se levar em conta que muitos intelectuais maçons integraram instituições culturais importantes, como, por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e, dessa forma, direta ou indiretamente, produziram e influenciaram a divulgação de interpretações que valorizaram a temática maçônica. Selecionei dois autores que considero fundamentais para a tentativa de construção de uma história da Maçonaria gaúcha. Nos dois casos, a inclusão do tema “Revolução Farroupilha” aparece com destaque. Morivalde Calvet Fagundes é autor de inúmeros trabalhos sobre a Maçonaria gaúcha. Um de seus méritos refere-se ao cuidado de comprovar suas afirmações com evidências documentais. Frequentemente, o autor transcreve parte de documentos por ele localizados, o que sustentaria em muito suas explicações. Um exemplo é quando transcreve documentos do período farroupilha que confirmam a ocorrência de rituais de iniciação maçônica de Thomas Ferreira Valle, em 1839, na cidade de São Gabriel, e de David Canabarro, em 1841, na cidade de Alegrete. Evidentemente que, para o autor, o fato de vários líderes farrapos terem sido maçons confirmaria a influência da instituição naquele contexto. O segundo historiador maçom escolhido para este trabalho foi Carlos Dienstbach, autor que publicou uma importante obra sobre a Maçonaria gaúcha. Entre um grande universo de informações, dados e documentos apresentados pelo autor, destaca-se, também, a questão da influência da Maçonaria no processo revolucionário. Entre os documentos que reforçam suas convicções, ele aponta, em especial, um documento que conferia a Bento Gonçalves a missão de regularizar e filiar lojas e maçons nos locais percorridos pelos revolucionários. Muitas lojas maçônicas teriam suas raízes nessa modalidade de instalação. Quanto ao segundo grupo historiográfico em análise, e que denominei de acadêmico, aparecem poucas obras disponíveis que abordem temáticas relacionadas à participação da Maçonaria na história do Rio Grande do Sul. Entretanto, destaco dois trabalhos que tratam do tema deste artigo: o de Spencer Lewis Leitman e o de Moacyr Flores. O primeiro autor explicou a relação entre Maçonaria e Revolução Farroupilha com inserções como a que segue: “Na fronteira, Bento Gonçalves organizou lojas maçônicas aprendendo rapidamente todos os meandros da organização, e usando o serviço postal maçônico como uma alternativa para sua correspondência secreta. Alguns anos depois, um de seus filhos afirmou que Sucre, o codinome maçônico de seu pai, era prova suficiente de sua intenção de estabelecer uma república antes do dia 20 de setembro de 1835”. Moacyr Flores tratou dessa questão em capítulo específico de sua obra sobre o modelo político e as ideias que influenciaram os farrapos. O autor discorda que a Revolução Farroupilha tenha sofrido influência maçônica. Contudo, debruçou-se sobre algumas questões episódicas e outras de cunho interno da Maçonaria. No caso dessas abordagens, considero a obra de Flores exemplar de um modelo historiográfico tipicamente do seu tempo. O autor procurou argumentar seus pontos de vista informando conceitos, informações e explicações de cunho interno da ordem maçônica. Será que a Maçonaria foi importante para a Revolução? Não há, por certo, como responder de forma conclusiva a essa questão. As fontes documentais e bibliográficas disponíveis não falam o suficiente para que se chegue a uma conclusão plausível. Levando em conta esse ponto de vista, suspeito que, no caso de ter que se chegar a uma resposta, a Revolução Farroupilha foi mais importante para a Maçonaria do que o contrário. Para pontuar essa perspectiva, lembro que as primeiras lojas maçônicas já estavam sendo implantadas em território brasileiro desde pelo menos o ano de 1800. Por outro lado, somente três décadas depois se tem notícia oficial da instalação de loja no Rio Grande do Sul, a loja Filantropia e Liberdade, fundada em 25 de dezembro de 1831, na cidade de Porto Alegre. A estreita vinculação entre a primeira loja maçônica e o gabinete de leitura da “O Continentino”, caracteriza uma das primeiras formas de atuação da Maçonaria no Rio Grande do Sul. Os integrantes de lojas maçônicas atuavam discretamente em razão do caráter sigiloso da própria instituição. Também buscavam se proteger da perseguição política ou religiosa que porventura pudesse se desenvolver. Volto à questão das origens da Maçonaria gaúcha salientando que os liberais gaúchos, que já haviam aderido à causa emancipacionista em 1822, ganharam a adesão de setores descontentes com a política centralista da monarquia recém instalada no Brasil. Aliado a isso, havia o descaso para com as necessidades, sobretudo econômicas e fiscais, das províncias periféricas. A abdicação do imperador, em 1831, assim como as primeiras medidas dos governos regenciais, suscitaram um aumento da frustração por parte da elite gaúcha em relação ao governo central, e foram os integrantes dessa vertente política, muitos deles participantes de sociedades secretas, os responsáveis pela organização do movimento revolucionário de 1835. Nesse ponto, podemos, de alguma forma, ligar Maçonaria e Revolução Farroupilha, pois as oficinas maçônicas eram, no entanto, um espaço privilegiado de debate e de aglutinação dos liberais radicalizados. As primeiras lojas foram, certamente, de iniciativa de um pequeno número de maçons, familiarizados com os “segredos” da ordem no centro do país, ou mesmo no exterior, e que criaram ou encontraram espaços de atuação nos clubes ou sociedades de cunho liberal. O exemplo mais expressivo e já mencionado anteriormente foi, sem dúvida, “O Continentino”, cuja ênfase, dada neste trabalho, se deve ao fato de ser o mais bem documentado; com isso, não descartamos que outras sociedades ou gabinetes de leitura tenham sido embriões maçônicos. No decurso dos confrontos da revolução não existiam condições regimentais mínimas para que as lojas maçônicas ou prosseguissem com suas atividades ordinárias e extraordinárias. O clima geral de instabilidade política e social tornava difícil a regularidade das cerimônias e a observância sobre a correção que deveria existir para a realização dos rituais e dos procedimentos administrativos previstos nas constituições e regulamentos. Assim, em condições excepcionais, a ordem maçônica buscou alternativas de funcionamento para que a sua incipiente situação não retrocedesse. Nessa mesma perspectiva, cito duas situações de lojas maçônicas que se posicionaram como aliadas das tropas imperiais: a loja União Geral, situada na cidade de Rio Grande, e que fora fundada no ano de 1840, portanto, em meio à revolução. Foi numa cerimônia no templo maçônico pertencente a essa loja que se deu a iniciação do Marquês do Herval, Manuel Luis Osório. Para que se entenda o posicionamento de Osório é importante lembrar que, na primeira fase revolucionária, ele compunha as forças farroupilhas. Entretanto, suas divergências vieram à tona quando da Proclamação da República Rio-grandense, em 1838, quando então aderiu às tropas imperiais. Outra situação similar ocorreu em São Leopoldo, na loja União e Fraternidade. Um dos maçons de destaque da loja, e que assumiu a posição política favorável às forças centralistas imperiais, foi o líder da comunidade alemã, João Daniel Hillebrand. Entre os aspectos biográficos que credenciam sua figura na história regional estão o fato de ter sido considerado um médico humanitário, presidente da Câmara dos Vereadores de São Leopoldo, fundador da Companhia de Voluntários Alemães e chefe geral da Colônia. Nos dois casos, fica evidenciado que a ordem maçônica não ficava imune aos confrontos e disputas políticas e ideológicas inerentes a cada realidade histórica. CONSIDERAÇÃO FINAL Esses e outros exemplos historiográficos me fazem acreditar que a Revolução Farroupilha contribuiu decisivamente para a expansão de um tipo de pensamento político que aproximou parcela da elite regional à causa maçônica. Em sentido contrário, essa mesma revolução impediu a expansão maior da Maçonaria, pois foi um obstáculo para a consolidação das estruturas administrativas maçônicas. A Maçonaria encontrava-se em fase de instalação na província quando eclodiu a revolução. Dessa maneira, dificilmente teria a força, o prestígio, o sentimento conspirativo e liberal necessário para influenciar ou interferir decisivamente num 6 episódio da proporção da Guerra dos Farrapos. Que alguns líderes farrapos tenham sido iniciados na Maçonaria no período anterior à eclosão da mesma, ou no transcorrer da guerra civil, não restam dúvidas. Contudo, esse argumento por si só não garantiria sustentação nas teses de que a Maçonaria foi fundamental na organização ou desenlace da guerra. Lembro, ainda, que o debate sobre a questão da identidade regional deve levar em conta que a sociedade gaúcha se encontrava dividida política e ideologicamente. De um lado, lutavam homens identificados com a causa farroupilha e, de outro, os segmentos que combatiam com as tropas imperiais. Assim, importante, nesse contexto, é assinalar a presença de maçons em ambos os lados do conflito. Reitero o meu posicionamento assumido no início deste artigo, qual seja, acreditar que a influência da Maçonaria no desenrolar da Revolução Farroupilha não foi fundamental e nem decisiva. Entretanto, a instituição contribuiu, e isso não é pouco relevante, na difusão das ideias liberais no seio da elite política e cultural na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Eliane Lúcia Colussi, Professora do Curso de História da Universidade de Passo Fundo (http://www.aminternacional.org/PDF/RelacaoEntreRevolucoFarroupilhaMaonaria.pdf)